Juliette Binoche veio ao Estoril Film Festival a propósito da exposição 'Portraits In Eyes', em que retrata realizadores com quem trabalhou. Agora com 45 anos, a actriz afirma estar a aproveitar o que a vida tem para lhe oferecer e diz-se "política nos actos do dia-a-dia"
Num dos hotéis mais luxuosos da Grande Lisboa, Juliette Binoche termina a manhã a olhar para o mar. São os mesmos olhos que acenderam o rastilho de uma exposição que acaba agora uma volta por 12 cidades. Os quadros e fotografias de "Portraits In Eyes" retratam realizadores com quem trabalhou (Jean-Luc Godard, André Techiné, Louis Malle ou Anthony Minghella) e parte da ideia de "prestar tributo" a uma série de personalidades marcantes na história do cinema. "É a minha curiosidade a tentar perceber que relação se estabelece com eles. O que é que sobra deles em mim? Se eles estão frente a mim, o contrário também pode acontecer", defende entre risos que tornam fácil de adivinhar uma boa relação com parte daqueles que a dirigiram. "No fim do dia, não é o resultado que interessa. É a forma como o fizeste, porque isso é a vida como ela é." A actriz mais bem paga do cinema francês quase deita por terra quaisquer dúvidas que pudessem subsistir em relação à sua postura no cinema.
"Não distingo bons e maus filmes porque todos fazem parte de um processo. Todas as personagens me fizeram crescer enquanto ser humano", assume. No entanto, alguns dos realizadores com quem trabalhou deixaram a sua mar- ca: "Com [Jean-Luc] Godard foi difícil, mas aprendi que só podia contar comigo e com o meu trabalho, além de todo o estudo prévio necessário; com (Krzystof) Kieslowski percebi que se podia dizer a coisa mais horrível e ao mesmo tempo ser-se feliz. Com ele, também soube lidar com os detalhes. Não me arrepen-do de nenhum filme."
Aos 45 anos, Binoche sente "uma necessidade de transformação", o que não significa que "Portraits In Eyes" possa ser encarada como "um escape" ou sequer "um projecto paralelo". A actriz refere ser apenas "uma tentativa de entrar na cabeça dos realizadores" e também uma forma de "aproveitar a vida". A viagem a Lisboa é parte de um processo ocioso que incluiu "Nova Iorque, ir ao cinema, tertúlias com escritores e consumir arte", explica, com ar divertido.
Da agenda de Juliette Binoche não faz parte a intervenção polí- tica, apesar de ter apoiado o candidato derrotado José Bové nas últimas eleições presidenciais francesas. Diariamente, confessa Bi-noche, é "política nas escolhas diárias: compro comida orgânica, apago as luzes, separo o lixo e fa-ço o que penso ser importante mas, em relação a ideias, é um mundo à parte. É necessário conhecê-lo".
Nada melhor então que a arte para "expressar o invisível", já que "as palavras não são suficientes para expressar tudo o que temos cá dentro". E tal como a natureza, "abre o coração, faz perceber que somos pequenos e o resto é tão grande e interroga-nos sobre as grandes questões do mundo".